sexta-feira, 12 de abril de 2013

Bases Moleculares da Depressão


No texto anterior, abordamos as principais estruturas, ligações e funcionamento cerebral envolvidos na depressão. Neste iremos apresentar, de forma geral, como a depressão ocorre em bases moleculares no sistema nervoso. No atual período da ciência, temos indicativos fortes que o principal agente químico (neurotransmissor) envolvido no estado depressivo é a serotonina. Os neurônios produtores de serotonina (denominados serotoninérgicos) estão localizados em uma estrutura conhecida como núcleos da rafe (ver figura 1). Deste local, os neurônios distribuem seus axônios para diversas partes do cérebro, conduzindo informações na forma elétrica a qual ativará a base de sinalização química (neurotransmissor serotonina), que é liberado no espaço entre o neurônio serotoninérgico e o neurônio que irá receber a mensagem química (ver figura 2).

Nas pessoas sem depressão, essa dinâmica neuromolecular ocorre de forma equilibrada. Porém, nos deprimidos a quantidade de serotonina disponível para o neurônio receptor está diminuída, isso provoca uma redução na passagem de informação em muitos neurônios, fazendo com que algumas áreas se mantenham com uma ativação elevada, enquanto outras apresentem baixa ativação.

A diminuição da oferta de serotonina no espaço entre neurônios, área conhecida como fenda sináptica, se deve a vários fatores:

-Produção diminuída de serotonina devido a baixa concentração de substrato e/ou número reduzido de enzimas responsáveis pela sua produção;

-Elevada concentração ou atividade das catecolaminas (no caso da serotonina a COMT), do aldeído desidrogenase e pelas monoaminas oxidases (MAO);

-Baixa capacidade de produção de vesículas responsáveis pela armazenagem das moléculas de serotonina;

-Alta concentração de receptores no neurônio pré-sináptico;

-Baixa concentração de receptores no neurônio pós-sináptico;

-Mau funcionamento nos receptores pré-sinápticos e/ou nos receptores pós-sinápticos.
Esquerda pessoas sem depressão, Direita pessoas com depressão
 
Mesmo com uma gama de fatores envolvidos no estado depressivo de ordem molecular, a alta taxa de remoção e a baixa taxa de produção da serotonina são apontadas como os fatores mais fortes, seguidos pelos agentes responsáveis pela sua desintegração e, por último, por erros no sistema de receptores e receptadores serotoninérgicos.

Mais adiante escreveremos sobre como agem os fármacos na base molecular e seus efeitos sobre o estado depressivo.

 Por Valdeci Foza e Alessandra Kayser Pinheiro

terça-feira, 2 de abril de 2013

Depressão

Nos últimos anos foi possível entender as causas biológicas que levam o cérebro a desenvolver o quadro depressivo. Hoje sabemos que diversas áreas mudam seu funcionamento devido à exposição prolongada ou a um quadro intenso ao stress. As principais áreas que apresentam modificações em seu funcionamento e que levam ao quadro depressivo são: o córtex pré-frontal, o hipocampo, a amígdala e o córtex cingulado (ver figura 1).
 
 No córtex pré-frontal, três subáreas estão envolvidas:
1) O Ventro-medial - responsável por mediar os aspectos conscientes relacionados com a dor, a ansiedade e as ruminações - apresenta uma redução da massa cinzenta e um aumento de ativação;
2) O Orbito lateral - normalmente envolvido na supressão ou modulação das respostas emocionais - tem sua ativação aumentada;
3) O Dorsolateral - envolvido, em conjunto com o córtex do cíngulo, nas ações cognitivas, na memória de trabalho, no gerenciamento da apatia e na alteração da atenção - apresenta uma massa cinzenta e uma ativação diminuída.
O Hipocampo - responsável pelo gerenciamento das memórias e na modulação do humor - sendo a área mais vulnerável aos mecanismos de neurotoxidade induzida pelo stress, tem sua massa cinzenta diminuída e uma ativação elevada nos primeiros ciclos da depressão e, com o passar do tempo, apresenta uma diminuição na sua ativação.
A Amígdala - responsável por mediar valores emocionais positivos ou negativos aos estímulos e gerenciar as memórias emocionais - apresenta tamanho e ativação aumentadas, porém, principalmente em mulheres, tende a apresentar uma ativação diminuída se o quadro se torna crônico.
O Córtex Cingulado - responsável pelo monitoramento dos comportamentos através de base emocional, regulação da motivação e da resposta simpática - apresenta uma ativação excessiva no início e com o tempo torna-se hipoativo.
 
Em nossos trabalhos com treinamento eletrofisiológico através da técnica de neurofeedback, buscamos reestabelecer a ativação ideal das áreas envolvidas na depressão e, durante as avaliações realizadas, sempre observarmos um elevado grau de sincronia entre as diversas áreas cerebrais, porém, a literatura não apresentava dados referentes a esse fenômeno em pessoas depressivas. Mas, para nossa surpresa, no início de 2012, nos deparamos com um artigo que falava exatamente sobre o alto nível de sincronia entre as áreas cerebrais em pessoas depressivas. Desta forma, começamos a trabalhar em conjunto: o restabelecimento da ativação e da sincronia nas áreas responsáveis pelo quadro depressivo. Os resultados foram excelentes. Abaixo se encontra um resumo geral do artigo.
Em seu estudo publicado na revista PLoS o psiquiatra e pesquisador Andrew Leuchter do Semel Institute for Neuroscience and Human Behavior (UCLA), realizado com 121 pacientes deprimidos e 121 pessoas sem nenhum tipo de problemas mentais, utilizando um método inovador na análise dos dados coletados por EEG, denominado de “análise ponderada do cérebro” observou que os 121 sujeitos depressivos apresentavam um alto nível de sincronia das faixas de frequências de ondas elétricas cerebrais, entre as diversas áreas do cérebro, demonstrando que depressivos apresentam cérebros hiperconectados (ver figura 2 - MDD = depressivos). 
Já sabíamos que regiões do cérebro rigidamente sincronizadas obrigam o cérebro ser inflexível. Assim, um cérebro que não pode desempenhar suas funções de forma minuciosas e realizar seu processamento de forma independente e específica, fica preso em um processamento geral, semelhante a um computador travado, que mesmo processando não consegue realizar suas tarefas básicas. Desta forma, parece que o cérebro do depressivo entra em um processo disfuncional de ordem de ativação e de sincronia, fazendo que todo seu processamento busque o mesmo objetivo, ficando preso em um circulo vicioso, que geralmente tem como foco informações negativas. Este processo acaba provocando um desgaste geral no sistema nervoso, levando a pessoa não mais buscar a socialização e se engajar em atividades, se mantendo sempre em um estado de cansaço e desmotivação.
Assim, aqui na Abnara, buscamos intervir no reequilíbrio neurofuncional, agindo ao mesmo tempo sobre a estabilidade das áreas cerebrais e no equilíbrio da sincronia entre as áreas. Desta forma permitimos que o cérebro retome sua capacidade de flexibilidade, maleabilidade e especificidade. O principal objetivo de nossas intervenções neurofisiológicas, assim como outras intervenções apresentadas no mercado (terapia, farmacológica, etc.), é permitir que o sistema nervoso da pessoa depremida consiga, novamente, adquirir sua capacidade de funcionamento saudável (ver figura 3).

 
Em breve escreveremos como essas disfunções ocorrem em ordem molecular no cérebro da pessoa deprimida.
 
Por Valdeci Foza e Alessandra Kayser Pinheiro

segunda-feira, 25 de março de 2013

Discalculia

Ao relembrarmos histórias do tempo de escola facilmente vem à mente fleches de diversas situações onde os alunos não gostavam de matemática, expressões tais como: “acho a matéria difícil”, “eu não consigo entender”, “isso é impossível aprender” e enfim, todas as formas de angústia e desgosto pela incapacidade de realizar a tarefa solicitada como os demais alunos.
Essas dificuldades nos levantam algumas questões: Mas por que isso ocorre? Será a falta de preparo dos professores para a realização de aulas encantadoras? Seria a distância entre a atividade realizada e seu uso real na vida do aprendiz? Ou ainda, o desinteresse dos alunos por estudar a disciplina que exige raciocínio lógico-matemático? Para muitos, esses fatores podem estar combinados em maior ou menor grau, formando um quadro de dificuldade de aprendizagem. Mas em alguns casos específicos, essas dificuldades na aquisição das habilidades e competências matemáticas podem estar relacionadas a um quadro denominado de DISCALCULIA.
A DISCALCULIA é um distúrbio neurológico, semelhante à dislexia (ver artigo anterior), que afeta o desenvolvimento das habilidades numéricas, podendo ser entendido como a incapacidade de processamento e compreensão conceitual de quantidades, grandezas e de raciocínio lógico necessário à resolução de problemas. Possui origem associada a desordens genéticas ou congênitas, nas partes específicas cerebrais que são substrato anatômico fisiológico de maturação das habilidades matemáticas.
Desde o nascimento possuímos habilidades para lidar com as demandas matemática do nosso meio, como a compreensão implícita de numerosidade, ordinalidade, grandezas, contagem e aritmética simples, que formam um sistema matemático não simbólico. Por exemplo, bebês com poucos meses já podem identificar numerosidades entre 1, 2 ou 3 elementos e apresentam compreensão de grandeza e quantidade. Com o passar dos meses a criança inicia a aprendizagem da simbologia e é nessa fase, durante os anos pré-escolares, que a capacidade de processamento matemático se desenvolverá fortemente em conjunto com a estruturação da linguagem. Na sequência, as crianças aprendem a representar números com processamento simbólico, o que permitirá a manipulação e comparação mental de quantidades precisas. Embora tenhamos essa capacidade inata, muitos não se dão bem com a tal matemática formal.
Até pouco tempo atrás, não tínhamos conhecimento das bases neurobiológicas de como esses processamentos ocorriam, e muito menos das disfunções que ocorriam no sistema nervoso de quem possuía discalculia. E devido esse desconhecimento, quanto a dificuldade de aprendizagem e de entendimento da matemática, as pessoas com discalculia eram taxadas como sujeitos com: falta de interesse, problemas de traumas familiares e até mesmo falta de inteligência, ou com professores incompetentes e negligenciadores. Com o avanço da tecnologia e do conhecimento, esses mitos foram desqualificados e hoje temos uma gama de informações sólidas que alicerçam como o cérebro gera a discalculia.
Através da utilização de imageamento cerebral, eletroencefalografia, e outros métodos foram possíveis investigar e encontrar as bases neurobiológicas do processamento numérico. O primeiro e grande salto foi à descoberta que o lobo parietal é a área cerebral responsável para a representação de domínio específico de quantidades, das funções verbais, espaciais e do foco de atenção para a resolução de operações de quantidades, grandezas, proporções e números. E através de inúmeros estudos realizados, utilizando essas tecnologias durante a realização de tarefas numéricas, foi possível identificar que o sulco intraparietal (IPS) bilateral representa o papel chave da especificidade numérica no cérebro (ver figura). Em pessoas que não possuem discalculia, esta área é ativada sempre que os números são manipulados, independentemente da forma de notação. Além disso, a área IPS ativa e seleciona as ondas eletrofisiológicas de forma proporcional a exigência cognitiva numérica da tarefa. Posteriormente, foi identificado que pessoas com discalculia apresentam baixa ativação e erro de seleção das frequências das ondas eletrofisiológicas dessa área, e de integração com outras áreas necessárias para a realização plena do processo cognitivo lógico-matemático.
Outra área do cérebro envolvida na resolução de problemas matemáticos é o giro angular esquerdo (ver figura), o qual desempenha o papel de apoiar a recuperação da memória de longo prazo para o reconhecimento de fatos matemáticos. Esse processamento cognitivo, o giro angular esquerdo realiza em conjunto com o hipocampo. Por exemplo, na resolução de problemas de multiplicação é necessário recuperar o resultado através da memória, ou seja, relembrar as antigas “tabuadas” memorizadas na infância, e quem faz essa tarefa é o giro angular esquerdo.
 
Outra área recrutada é o córtex frontal medial bilateral, o qual se responsabiliza por realizar a integração das informações do processamento matemático e da conceituação numérica (realizado pelo IPS e pelo giro angular esquerdo), pela manutenção do foco de atenção, da memória de trabalho e através dessas operações realiza o processamento da articulação do desenvolvimento matemático. Mais recentemente, desenvolveu-se o conceito de “linha numérica mental”, a qual seria a forma como nosso cérebro integra a resolução de problemas matemáticos, com a atenção visual e a memória visuo-espacial de curto prazo e informações integradas de outras áreas para chegar a solução da tarefa, sendo a região IPS a grande responsável por esse gerenciamento.
Porém, em pessoas com discalculia, as áreas parietais responsáveis pela realização da base de quantidade, grandeza, operações simbólico e não-simbólico numérico e conceito matemático, apresentam um erro de ativação das ondas cerebrais, desta forma demoram ou passam informações equivocadas para as áreas frontais, que buscando suprir esse déficit, acaba desenvolvendo um funcionamento alterado e gerando uma fadiga por hiperativação da sua base eletrofisiológica, o que acaba frustrando a pessoa, o que, posteriormente, leva ao desgosto pela matemática.
Aqui na Abnara, semelhante com os problemas de dislexia, buscamos, nas áreas responsáveis pelo desenvolvimento da discalculia, reequilibrar à ativação das frequências das ondas eletrofisiológicas e sincronizar essas áreas, através do treinamento eletrofisiológico (neurofeedback) e de intervenções neuropedagócica com o objetivo de desenvolver a plasticidade de acesso à rede neural eficiente do processamento matemático pela pessoa que apresenta o quadro de discalculia.
Por Alessandra Kayser Pinheiro e Valdeci Foza

terça-feira, 19 de março de 2013

Bases Biológicas da Dislexia

A principal causa da dislexia é de origem biológica. Um erro genético altera a base funcional do sistema nervoso do disléxico e faz com que seu cérebro trabalhe de forma equivocada no processamento da informação, em determinada subárea e na interligação entre as algumas das subáreas cerebrais. 
Hoje, através dos estudos realizados com eletroencefalograma, ressonância magnética e tomografia, temos conhecimento da existência dessas subáreas cerebrais que estão diretamente envolvidas com a dislexia. Uma delas está localizada em uma área mais profunda e primitiva do cérebro, área essa que serve de elo entre as informações externas e internas das diversas áreas, conhecida por tálamo. O tálamo do disléxico apresenta uma alteração na camada de neurônios magnocelulares, o que provoca um déficit de processamento rápido das informações que chegam a ele, sejam elas de origem externa ou interna.
As outras áreas envolvidas estão localizadas no córtex cerebral, a estrutura evolutivamente mais moderna do nosso cérebro. Um dos locais está situado na região posterior esquerda, conhecida como área occipito-temporal, a qual é responsável por realizar a análise da forma da palavra, isto é, reconhecer que aqueles símbolos unidos representam uma determinada forma geral, o qual terá posteriormente um significado. Esta análise é realizada a partir das informações que chegam do tálamo. Outra subárea está localizada em uma posição mais superior e medial em relação da primeira, conhecida como área parieto-temporal. Essa subárea recebe a informação processada na anterior, quanto à forma da palavra, e realiza a análise conceitual da mesma, dando significado ao símbolo. A próxima subárea está em uma região mais frontal e inferiormente do cérebro, denominada área do giro frontal inferior. Ela recebe as informações das outras duas áreas anteriores e realiza o processamento que  permite a articulação da palavra. Em outras palavras, vai recrutar outras áreas cerebrais, principalmente subáreas frontais do hemisfério direito, parietais direito e esquerdo e os lobos temporais, para realizar a localização da palavra no contexto da fala, frase, entonação, prosódia, entre outros. Assim, em conjunto, essas áreas produzem o léxico, a sintaxe e a semântica da linguagem durante a leitura.

Porém, no disléxico essas áreas estão com o funcionamento alterado ou diminuído. Sabe-se que as duas áreas corticais posteriores do hemisfério esquerdo, apresentam uma baixa ativação durante a ação no léxico. E como forma de compensar, o sistema nervoso acaba aumentando a ativação da área do giro frontal inferior esquerdo, e recrutando a mesma área no hemisfério direito. Este acionamento bilateral do giro frontal inferior provoca uma estimativa da palavra, isso é, o cérebro do disléxico acaba tentando estimar ou adivinhar qual a palavra que leu, ao invés de realizar o reconhecimento e o conceito da palavra (Ver figura 1). Além disso, estudos recentes têm apontado que os disléxicos, além dos fatores acima mencionados, não conseguem realizar a troca de ativação hemisférica necessária para o amadurecimento da leitura e escrita. No início da aprendizagem da leitura e da escrita, assim como na aprendizagem da matemática, as áreas parietais do hemisfério direito apresentam um acionamento maior, mas aos poucos a ativação vai diminuindo no lado direito e o lado esquerdo passa a dominar. Essa mudança hemisférica parece ser necessária para que a leitura, escrita e cálculos sejam realizados de forma fluente. E isso não acontece no disléxico (Ver figura 2).
Além dos problemas diretos da dislexia, o fato do disléxico se submeter constantemente em situações de fracasso e de constrangimento, faz com que mudanças também ocorram nas áreas responsáveis pelo gerenciamento das emoções. Depois de instalada a mudança funcional nas áreas emocionais, o tempo necessário para corrigir o déficit do disléxico, aumenta consideravelmente.
Aqui na Abnara temos abordado o problema da dislexia com intervenções diretas na base neurofisiológica, onde buscamos realizar a reeducação funcional das áreas envolvidas, desativando as regiões do giro frontal inferior bilateral, principalmente do hemisfério direito, ativando as regiões occipito-temporal e parieto-temporal; reestabelecendo a coerência entre as três áreas corticais e, na maioria das vezes, buscamos estabilizar a ativação das áreas responsáveis pela emoção. Em conjunto com as intervenções neurofisiológicas, realizamos intervenções indiretas através abordagem neuropedagógica e psicopedagógica, desenvolvendo contextos, materiais e modelos cognitivos próprios para cada cérebro disléxico, buscando possibilitar informações entendíveis e modificadoras das áreas em questão, permitindo, assim, que o sistema nervoso realize de forma ampla a plasticidade neural necessária para a modificação do estado cerebral do disléxico.
Por Valdeci Foza e Alessandra Kayser Pinheiro